A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) realizou, nesta quarta-feira (2), a “Mesa de Debates – Mudanças Climáticas, Comunidades e MPF”, atividade preparatória à COP30. O evento reuniu especialistas na Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU), em Brasília/DF, com transmissão pela internet.
A primeira discussão foi mediada pela diretora secretária da ANPR, Lívia Tinôco.
“Esta mesa se propõe a um diálogo transversal sobre clima unindo diferentes visões, não só jurídicas, mas que estejam voltadas à promoção da justiça climática e da justiça socioambiental”, declarou.
A procuradora de Justiça do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP/RS) Ana Marchesan abordou a relação entre patrimônio cultural e emergência climática.
“A cultura e o patrimônio cultural são matéria-prima, um capital cultural extremamente importante, inclusive para resolvermos nossos problemas,” destacou. Segundo ela, “se chegamos a um estado de emergência climática é por conta do nosso padrão cultural e de consumo. “Onde temos que operar essas mudanças profundas para revisar isso? Na nossa cultura e no nosso modo de viver. O engajamento com a comunidade que se apropria do seu patrimônio é extremamente importante para que medidas de contingência sejam adotadas” defendeu.
O procurador da República Daniel Azeredo, ao fazer um breve histórico sobre a criação do mercado de crédito de carbono, alertou que áreas públicas têm sido objeto de organizações criminosas para lucrarem com esse tipo de negociação. Em seguida, ele provocou uma reflexão.
"Por que a imensa maioria dos projetos de crédito de carbono estão em áreas com populações tradicionais ou comunidades indígenas? Porque o maior trabalho que a gente tem nessa história toda é: quem vai vigiar e manter essa floresta em pé? É uma área alvo de grilagem, no meio de um processo de desmatamento. Quem vai vigiar projetos de recuperação dessas áreas? Quem faz esse trabalho? As próprias populações tradicionais", respondeu com preocupação.
A procuradora da República no Rio Grande do Sul, Flávia Nobrega, que presenciou o maior desastre climático do RS no ano passado, alertou para a fragilidade das políticas públicas voltadas ao enfrentamento dos desastres ambientais.
“O sistema que temos hoje não funciona como deveria para o atendimento dessas questões. Precisamos de estruturas mais eficazes e coordenadas entre os diferentes níveis de governo”, destacou.
Para o analista de Políticas do Clima do Instituto Socioambiental (ISA), Ciro Brito, os problemas enfrentados por povos indígenas e comunidades tradicionais vão além das questões ambientais.
“Esses impactos demonstram um problema histórico e estrutural. Enfrentamos uma conjuntura em que ainda se acredita que a exploração de combustíveis fósseis é uma oportunidade financeira”, pontuou.
O procurador da República Paulo de Tarso, que atua no município de Santarém (PA), compartilhou a angústia das comunidades ribeirinhas na região do Baixo Amazonas, no oeste no estado.
“Os impactos negativos das mudanças climáticas nessas comunidades já são, infelizmente, uma triste realidade. Elas relatam preocupação com a segurança alimentar e hídrica, o decréscimo do estoque de peixes, as ameaças da pesca predatória, a insuficiência da fiscalização ambiental para coibir invasões, além de prejuízos aos serviços públicos de educação e saúde, em função dos longos períodos de estiagem”, lamentou o membro do MPF.
O advogado Eneas Xavier de Oliveira Júnior, membro da Comissão do Clima da OAB/SP , ressaltou a importância da participação cidadã na litigância climática.
“As mudanças climáticas não perdoam ninguém, mas são infinitamente mais severas sobre populações mais vulneráveis, que não dispõem dos recursos e meios de enfrentamento dessas realidades e desses impactos," destacou. Segundo ele, é essencial que os processos judiciais considerem a vulnerabilidade desses grupos e garantam que as vozes dos grupos invisibilizados sejam ouvidas.
“As participações dos debatedores evidenciam a complexidade e a urgência das questões climáticas, mas também revelam a potência de uma atuação articulada entre Ministério Público, academia, sociedade civil e comunidades. A COP que ocorrerá no Brasil nos desafia a construir pontes entre o local e o global, o técnico e o comunitário. Que essa mesa seja o início de um diálogo cada vez mais firme e transformador”, finalizou a mediadora, Lívia Tinôco.
O evento teve o apoio da ESMPU e do Instituto Clima e Sociedade (ICS).
Assista ao debate na íntegra.