A última discussão da “Mesa de Debates – Mudanças Climáticas, Comunidades e MPF”, atividade preparatória à COP30, abordou questões como o reconhecimento e o protagonismo das comunidades, além da escassez hídrica em diversos territórios. O evento promovido pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) contou com a parceria do Instituto Clima e Sociedade (ICS) e da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU), em Brasília/DF, onde ocorreram as atividades.
O procurador regional da República Duciran Van Marsen Farena levou ao conhecimento dos participantes um caso de resiliência: a ilha do Aritingui, no litoral norte da Paraíba. O membro do Ministério Público Federal (MPF) relatou o sofrimento vivido pela comunidade desde 1970. Durante duas décadas, as pessoas sofreram as pressões do cultivo da cana-de-açúcar e da criação de camarão. Com isso, foram obrigadas a recriar o modo de vida na área de mangue. À época, começaram as consequências das mudanças climáticas.
"Se por um lado, as ações propostas pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública conseguiram segurar o avanço dos camaroeiros, por outro, os problemas mudaram com as mudanças climáticas. A alteração dos fluxos de água, a salinização e destruição dos mangues e a mortandade dos caranguejos, hoje, praticamente inexistentes por conta da poluição e outros fatores ambientais.
E complementou que "a vinculação com a terra é fundamental. O reconhecimento da terra é tudo para uma comunidade tradicional."
A escassez hídrica foi assunto central da exposição da procuradora da República Janaína Andrade. Para demonstrar a gravidade do problema, ela abordou os impactos da transposição do São Francisco nas comunidades da caatinga. A título de exemplo, revelou a precariedade na vila produtiva Lafayette, na Paraíba, que passou cerca de uma década sem água para consumo e produção.
"É preciso compreender que não se pode tratar a estiagem como um fenômeno exclusivamente natural, esquecendo os marcadores sociais. O acesso à água tem de ser democrático. O que fazer para mudar esta realidade? A gente coloca como sugestão para se discutir na COP30, enquanto um dos maiores eventos, espaço de mudança da realidade", provocou.
"As vozes do clima são o cerne do desenvolvimento sustentável", defendeu a procuradora regional da República Sandra Kishi, ao enfatizar a relevância de ações voltadas ao saneamento básico nas comunidades tradicionais e territórios indígenas.
"Para termos a resposta devida em 2030, a gente precisa garantir vida. E a vida, na situação dos povos indígenas e das comunidades tradicionais, depende do básico, que é esquecido. Saneamento é, para vários índices, a meta prioritária", frisou.
O procurador da República Rafael da Silva Rocha apresentou a Ação Civil Pública dos Hotspots, proposta pelo Ministério Público Federal, em 2023, a fim de garantir o combate ao desmatamento na Amazônia. A iniciativa culminou na indenização por danos materiais e à saúde das comunidades tradicionais.
“Toda vez que tem uma crise ambiental na Amazônia as pessoas se lembram do Ministério Público. E eu fico feliz que cobrem, é sinal de que as pessoas confiam no nosso trabalho. Precisamos dar uma resposta, não qualquer resposta, mas uma resposta adequada e efetiva, sempre contando com um trabalho em rede”, salientou.
A procuradora Janaína Mascarenhas, que ingressou no Ministério Público Federal em 2023, lamentou que a estrutura de proteção ainda seja insuficiente para minimizar os impactos da estiagem.
“A situação de estiagem afeta as populações indígenas e comunidades tradicionais de forma muito severa. O nosso procedimento tentou buscar informações para entender o contexto geral da dificuldade, qual era o sistema de proteção dessas comunidades, se é que existia algum sistema. Chegamos a expedir recomendações tentando atacar alguns gargalos, mas o que ficou muito claro para mim em todo esse tempo, de 2023 para cá, é que o Estado brasileiro está muito aquém das necessidades de prevenção e de proteção dessas populações, nesse contexto de mudança climática”, opinou.
"Direitos não se negociam", afirmou Neidinha Suruí, cofundadora da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, em relação à conciliação no Judiciário sobre o marco temporal. "Querem negociar para abrir as terras indígenas para mineradoras, sojeiros e pecuaristas", criticou.
Neidinha Suruí defendeu a indenização para comunidades vítimas de invasores, mesmo por aqueles que declaram ser de boa fé. "Os ocupantes sabem que, ao entrar em uma terra indígena, eles estão promovendo o desmatamento. Isso destrói rios, mata os animais. A gente quer que o direito sirva para os dois lados, indenize o indígena pelos danos sofridos."
A vice-presidente da ANPR, Luciana Loureiro, foi a mediadora da última mesa de debates. Após elogiar a qualidade da discussão, que contou com a pluralidade de visões, defendeu que as comunidades mais vulneráveis não podem ser apenas pauta, precisam ser incluídas no debate sobre clima.
“O bem-estar das comunidades tradicionais nas discussões climáticas foi uma pauta de prioridade da ANPR, durante toda essa gestão. Esperamos que continue sendo prioridade das próximas gestões, porque é uma pauta de vida. Não é uma pauta temporária e não é algo que vai acabar agora. Nós precisamos seguir lutando por isso”
Acesse o debate na íntegra.