Em resposta às declarações do secretário-geral do Ministério Público Federal (MPF), Eitel Santiago, em entrevista à CNN Brasil, na segunda-feira (6), que provocaram profundo descontentamento e indignação na classe, o presidente da ANPR, Fábio George Cruz da Nóbrega, lamenta e repudia as afirmações e se manifesta da seguinte forma:
Lista Tríplice
A lista tríplice para a escolha do procurador-geral da República é uma luta antiga dos procuradores da República. Fazer com que, como já ocorre com os demais 29 Ministérios Públicos do país, com os reitores das universidades federais, com o defensor público da União, com os membros dos quintos que vão compor as Cortes de Justiça, e com tantas outras autoridades, os membros do MPF também possam apresentar uma lista com três nomes para escolha pelo presidente da República. Não é razoável que exatamente a autoridade que pode investigar e denunciar o presidente da República possa ser escolhida livremente por ele. A lista traz inúmeras vantagens para a sociedade e para o país. Fortalece a democracia interna e externa, garante mais transparência no processo de escolha do nome e também maior independência na sua atuação. Democracia nunca foi e nunca será o problema, ao menos para quem não possui arroubos autoritários, mas, sim, a solução para processos mais transparentes e benéficos ao fortalecimento das instituições.
Forças-tarefas
As forças-tarefas são um modelo exitoso importado de outros países e tiveram importância ímpar para o fortalecimento da instituição nas últimas décadas. Permitem que o procurador natural de um caso receba apoio em investigações complexas e que demandem esforço concentrado da instituição. Os avanços no combate à corrupção nos últimos anos somente foram possíveis por meio da constituição das forças-tarefas. Os principais trabalhos realizados na instituição na área ambiental também seguem esse mesmo modelo, como são exemplos as forças-tarefas da Amazônia Legal e aquelas constituídas para apurar o rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho e suas consequências. A quem interessa enfraquecer o trabalho das forças-tarefas? À sociedade brasileira é que não é. Não há fatos idôneos que autorizem, considerado o seu histórico de atuação, a desqualificação do trabalho por elas realizado e muito menos a imputação de pechas de ilegalidade e/ou clandestinidade em sua atuação. São fiscalizadas constantemente pela Corregedoria do MPF e pela Corregedoria Nacional do CNMP. São autorizadas a funcionar por ato do PGR e do Conselho Superior do MPF. Temos 23 forças-tarefas em funcionamento no âmbito do Ministério Público Federal, todas desenvolvendo um trabalho de natureza técnica primoroso, que mudou o paradigma de atuação da instituição, com a obtenção de resultados bastante significativos para a sociedade. A título de exemplo, de 2014 para cá, as forças-tarefas foram responsáveis por 319 ações criminais propostas, 90 ações civis promovidas, 330 acordos de colaboração premiada, 26 acordos de leniência, com um potencial de reversão de recursos ao poder público, em razão do trabalho realizado, da ordem aproximadamente de R$ 30 bilhões.
Unac
A proposta de constituição de uma unidade nacional de combate à corrupção e ao crime organizado visava, inicialmente, ao fortalecimento das próprias forças-tarefas. Agora foi alterada para a criação de um órgão central, em Brasília. É preciso discutir isso sem açodamento. Não se pode jogar fora, simplesmente, o exemplo exitoso das forças-tarefas e também dos Gaecos. Isso pode enfraquecer a atuação dos procuradores naturais e o próprio trabalho realizado contra a corrupção e o crime organizado. O projeto precisa, portanto, ser melhor debatido, aperfeiçoado.
Pandemia
A pandemia de covid-19 demanda um esforço conjunto da sociedade e o seu combate não pode se guiar por dogmas, mas pela ciência. É uma questão que se enfrenta com políticas públicas. O Estado tem de assumir o seu papel garantindo acesso à saúde e apoio aos setores da sociedade mais atingidos pelas medidas necessárias ao seu enfrentamento. Tratar a doença como uma questão religiosa significa abandonar a população à própria sorte, ainda mais quando se trata de uma instituição como o Ministério Público, que têm várias missões importantes a cumprir neste momento, cobrando transparência dos agentes públicos, fiscalizando a aplicação dos recursos públicos e responsabilizando os envolvidos em irregularidades, além de cobrando uma efetiva atuação do poder público que realmente proteja à saúde e à vida da população.
Conselho Superior do MPF
Quanto à alegação de que o resultado na eleição para o Conselho Superior do MPF se cuidou de uma resposta corporativista e demagógica da classe, se trata de uma declaração inaceitável, ofensiva à toda a carreira. Primeiro, é preciso repisar que o respeito à escolha da maioria é pressuposto básico a qualquer um que entenda os verdadeiros significados de democracia e espírito republicano. Segundo, porque a carreira elegeu aqueles que considerou terem apresentado as melhores propostas e representado os anseios dos procuradores e procuradoras da República. Por fim, não há tradição de oposição ou situação no CSMPF. Todos os que ali atuam, votam e agem, pensando em desempenhar o melhor papel para a instituição e o país. Se há divergências, por vezes, ao pensamento externado pelo procurador-geral, isso reflete a existência de um órgão colegiado, plural, composto de pessoas que pensam diferente, o que é uma vantagem e não um defeito institucional.
Fábio George Cruz da Nóbrega, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR)