A partir de hoje, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) publicará uma série de entrevistas com lideranças indígenas abordando aspectos e possíveis consequências de julgamentos e legislações em curso, relacionadas aos direitos desses povos, como a chamada tese do marco temporal, que está na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF), e o Projeto de Lei nº 490/2007, que tramita na Câmara dos Deputados.
O STF deve julgar em breve a Repercussão Geral no Recurso Extraordinário 1.017.365 (SC), que trata da tese que nega o direito de povos indígenas à terra, ao determinar que só teriam direito a reivindicá-las os povos originários que estivessem em sua posse em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, ou que estivessem em disputa judicial ou conflito direto com invasores. Entidades ligadas à defesa dos direitos indígenas defendem a inconstitucionalidade da tese do “marco temporal” e do PL 490/2007, que tramita na Câmara dos Deputados, pois eles representam uma forte ameaça à existência dos povos indígenas. A ANPR publicou uma nota pública sobre o tema (Disponível aqui).
Para o cacique Babau Tupinambá, da Aldeia Tupinambá, localizada na Comunidade Indígena Tupinambá da Serra do Padeiro, a ameaça ao seu território é uma constante. Confira na entrevista abaixo:
- Fale um pouco sobre você e sobre o seu povo
- Somos um povo que sempre vive no Sul da Bahia, no território da Terra Indígena Tupinambá de Olivença. Passamos a vida toda nos defendendo das invasões e também das perseguições governamentais, práticas que sempre ocorreram. Hoje, o que vemos no atual governo Bolsonaro é o que já vivemos tempos atrás, na época dos integralistas de Getúlio Vargas. Os mais velhos sempre contam como foi, um cenário de perseguição que vemos agora renovado
- Há quanto tempo vocês lutam por seus territórios?
- Para o povo Tupinambá, a luta pelo território sempre esteve presente, desde 1500. De lá para cá, isso nunca mudou. A partir dos anos 2000, quando o governo passou a nos reconhecer, é que fomos fazer o enfrentamento para que o governo faça o reconhecimento total, que só ocorreu em 2009 com a publicação do estudo antropológico. Mas desde então, estamos esperando que seja assinada a portaria declaratória, coisa que nenhum dos governos fez até agora, mesmo depois de tudo regulamentado. Em 1910, foi feita uma demarcação de terras para os povos Tupinambá, Aricobé e Pataxó. Em 1926, essa área foi fechada pelo Ministério da Guerra, uma área de 50 léguas em quadra, feita para os povos, que se sucederam a muitos conflitos. É esse nosso território que precisa ser regulamentado, tudo dentro do eixo dessa 50 léguas.
- O que significa o marco temporal?
- É impossível criar um marco temporal para nós, povos indígenas porque quando Cabral invadiu aqui, foi escrita a carta a Pero Vaz de Caminha dizendo o dia que chegaram e quem eles encontraram. Ou seja, eles mesmos declaram que já nos encontraram aqui. Nós já estávamos aqui antes do povo branco. Não tem como criar um marco em cima do nosso direito, da nossa existência, da nossa história.
- Qual a sua expectativa sobre o julgamento?
- A minha expectativa sobre o julgamento é que nós venceremos, mas o que eu tenho dito é que nem sempre vencer no STF significa vencer de fato porque podem ser colocadas condicionantes nesse voto. Desde que eu vi as condicionantes na Raposa Serra do Sol e isso impacta até hoje no Brasil todo, por conta da má fé, fico receoso.
- O que os aliados e parceiros dos povos indígenas podem fazer?
- Os parceiros e aliados dos povos indígenas têm feito muito, têm lutado ativamente do nosso lado. Estão fazendo o que pode ser feito. O que nos cabe agora é esperarmos o julgamento e já focarmos no PL 190. Nem terminamos uma batalha, já temos outra para lutar.
Confira aqui Nota da ANPR em defesa dos direitos territoriais indígenas