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Marco temporal: a luta dos Pataxós no sul da Bahia

Na terceira entrevista da série com lideranças indígenas abordando aspectos e possíveis consequências de julgamentos e legislações em curso, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) conversou com Samara Pataxó, do povo Pataxó, do sul da Bahia. Samara ressalta que seu povo habita a Costa do Descobrimento desde antes de 1500 e, desde a chegada dos colonizadores, resiste e luta na região.

Entre os assuntos, o marco temporal e a tramitação do Projeto de Lei nº 490/2007, na Câmara dos Deputados. Ambas as matérias impactam diretamente os povos indígenas. Entidades ligadas à defesa dos direitos indígenas defendem que o “marco temporal” é inconstitucional, uma vez que os povos originários têm direito à terra como uma questão de justiça social. As entidades entendem que a rejeição à tese do marco temporal dará início a uma reparação histórica e necessária frente ao nosso passado colonial. A ANPR publicou nota pública sobre o tema (Disponível aqui).

O STF deve julgar na quarta (25) a Repercussão Geral no Recurso Extraordinário 1.017.365 (SC), que trata da tese que nega o direito de povos indígenas à terra, ao determinar que só teriam direito a reivindicá-las os povos originários que estivessem em sua posse em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, ou que estivessem em disputa judicial ou conflito direto com invasores. Da mesma forma, as entidades apontam inconstitucionalidade do PL 490/2007 que representa forte ameaça para a existência dos povos indígenas.

- Fale um pouco sobre você e sobre o seu povo.
- O meu povo habita a região do extremo sul da Bahia, na região da Costa do Descobrimento. Foi a região de primeiro contato com os colonizadores. Meu povo e o povo Tupinambá, que também habita a região, lutam por seus territórios desde a invasão do país. Afinal, a colonização começou nessa região, a expulsão forçada de indígenas, a morte e o genocídio dos povos indígenas começaram ali. Por isso falamos que é contínua.

- Há quanto tempo vocês lutam por seus territórios?
- Há muitos anos lutamos pela nossa continuidade existencial e pelos nossos territórios. Tem muitos territórios Pataxó ali que ainda estão pendentes de regularização, de demarcação oficial pelo Estado brasileiro, porém, a nossa presença é de muitos séculos. Em outros casos, há a demarcação, mas ela foi feita de maneira aquém, como é o caso da demarcação de Barra Velha, feita em 1991, mas com limites aquém dos reais de demarcação do povo Pataxó. É um dos que estão em movimento de revisão para que se adeque e sanem ilegalidades de vício que ocorreram na época da demarcação.

- O que significa o marco temporal?
- O marco temporal, costumo dizer, é um critério limitador, que visa limitar o reconhecimento do direito territorial aos povos indígenas. Limita o direito garantido na Constituição a nós, povos indígenas. Esse limite temporal é muito prejudicial, porque ele desconsidera o passado, o contexto dos povos indígenas antes de 1988. Então, há diversas razões para sermos contra esse marco temporal porque ele é injusto, é inconstitucional, viola direitos reconhecidos a nós e o direito territorial é um direito originário. A própria razão de ser do marco temporal é incompatível com o que traz a Constituição, que é um direito originário, que já existe muito antes desse direito ser reconhecido na Carta Constitucional. Aqueles que defendem o marco temporal, dizendo que ele trará segurança jurídica nas ações possessórias e nos conflitos tanto judicializados, mas na via administrativa também, em relação à demarcação de uma terra, porém não tem segurança jurídica nenhuma. Se existe, é uma segurança jurídica seletiva que em nada corrobora para efetivar os direitos de nós, povos indígenas. Pelo contrário, desde a adoção e da forma reiterada como esse critério do marco temporal tem vindo à tona, só aumentaram os conflitos de disputa territorial, tanto no Judiciário quanto em outras vias.

- Qual a sua expectativa sobre o julgamento?
- Espero que realmente ocorra o julgamento porque ele entra e sai da pauta há algum tempo. Existe essa expectativa de que ele aconteça. Espero que, se iniciado de fato o julgamento, seja julgado o mérito, que os ministros do STF coloquem uma pá de cal, parafraseando o ministro Ayres Brito, que no julgamento da Raposa Serra do Sol disse que marco temporal era para colocar uma pá de cal nas inúmeras discussões em torno de direitos territoriais indígenas. Então, acho que é o momento, mais de dez anos depois daquele julgamento, o STF voltar a essa temática e colocar essa pá de cal nesse marco temporal que, ao longo dessa última década, só tem prejudicado a efetivação dos direitos territoriais indígenas. Esperamos que os ministros possam trazer uma decisão boa, que forme um precedente bom, uma tese que ajude a efetivar direitos e trazer segurança jurídica para os povos indígenas do Brasil.

- O que os aliados e parceiros dos povos indígenas podem fazer?
- Os aliados e parceiros dos povos indígenas já têm nos ajudado muito, inclusive nesse processo de repercussão geral, existe uma quantidade expressiva de amigos da corte pró direitos indígenas. Foi crescendo também o número de amicus curiae que defendem o marco temporal e que são ligados ao setor do agronegócio, porém nós somos maioria nesse processo específico. Para além desse processo de repercussão geral, existem outras organizações e outros movimentos sociais que não são indígenas, que nos apoiam. Acho que a sociedade pode buscar conhecer mais a nossa realidade, como estamos sendo afetados e poderemos vir a ser afetados caso essa tese do marco temporal seja confirmada pelo STF. Analisar a realidade indígena e saber como cada um pode ajudar diante da diversidade de povos que temos e esse desafio que temos.

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